28.3.08

Entrada só para casais.

Entrámos no Delight. Outrora pertencente ao submundo da prostituição, conservava ainda as paredes rosa choque e os candelabros pirosos. Sofás de veludo verde garrafa espalhavam-se pelas labirínticas salas onde muitos homens e mulheres se devem ter encostado uns aos outros num prazer despreocupado e bem pago.

Uma mulher loura, muito branca e com os olhos muito pintados de negros, arrastava-se no palco cantando e contorcendo-se como ninguém estivesse a olhá-la. A música vinha de um rádio manhoso do lado direito do palco. O Delight não era um submundo de carne vendida a troco de moedas, mas um mundo submerso de personagens vendidas ao revivalismo dos cabarets e à moda do antigo.

Pedimos dois martinis e sentámo-nos num dos sofás que ocupava a primeira fila do concerto.
A tua mão entrava na minha saia ao ritmo da voz da loura. Lenta e subversivamente, a deixar escapar pequenos gritos de angústia. Pensei nos sofás e nas suas histórias. Afinal, estávamos ali para nos roçarmos como outrora o faziam as mulheres de vida fácil e o senhores de boas famílias. As nossas vidas não eram definitivamente fáceis e boas famílias já há muito que tinham deixado de existir. Fizémos amor com as mãos no sofá verde garrafa em frente ao palco. Despedimo-nos. Acho que nunca soube o teu nome. Pelo menos, conseguimos entrar os dois naquela noite fria, onde só era permitida a entrada a casais.

24.3.08

"J'aime le romanesque, mais je sais que le roman est mort.
Voilá, je crois, le lieu exact de ce que j'écris."

Roland Barthes

5.3.08

12 palavras

São 12 palavras. Importantes. Relevantes. Mas só para mim. Se quiseres passo-te o desafio. É só pedir. Tens é que pensar nas tuas 12 palavras.


Mãe - pela presença, pelo colo e pela coragem de muitos anos, paz interior
Escrever - é um vício que entorpece os dedos e me acalma o cérebro
Amor - porque faz parte de mim, de ti e do que ainda há-de vir a acontecer
Música - porque não imagino o mundo sem, pelo quebrar do silêncio dos meus dias complicados
Pai - pela complexidade destes anos todos e ainda assim, só meu.
Tu - porque ficaste quando todos pareciam partir
Kaya - um amor desmedido que me deixa com o coração apertado e pêlos na boca
Comprimidos - porque tenho medo que para estar bem tenho tomar algo que me faça mal
Papel - porque complementa o meu vício
Sol - porque quando fecho os olhos de cara voltada ao céu, o mundo fica suspenso
Sonho - porque ainda não sei quem quero ser ou se quero ser e tenho em mim milhões deles
Chocolate - porque não imagino a vida sem doçura

PRETENSÃO

Não há nada mais danoso para perfeição interior
do que a convicção de que se está indo bem.

Conde Leon Nikolaievitch Tolstoi